sábado, 26 de abril de 2014

Quando menos se espera um imponente fio branco se aloja na testa. Impossível não vê-lo. Parece que cresceu durante a noite. Ou foi durante os dias em que eu estava ausente? Preciso estar em alerta sempre? Do contrário me perco nas ruas, perco as chaves, perco o prumo. Mergulho nas profundezas de lugar bonito: Olinda, o mar, olhos bonitos, uma palavra escrita em muro velho. Andando por ruas de paralelepípedo é mais perigoso: as histórias do chão enraízam nos pés; delírio!
Para o fio branco pergunto: o que você quer? Sei da urgência do tempo. Sempre soube. Eu acho que sempre soube. Essa urgência do ontem que brota no peito. Sem motivo aparente ou talvez pelo simples espanto que é estar vivo. Estar vivo é espantoso!
Depois da morte de meu pai uma avalanche de sensações me corre à essa urgência. Não, não foi depois, foi durante sua internação. Foi no dia em que recebi a notícia de sua queda. 13 dias em que ao seu lado tive a noção do que estar à parte. Nada mais importava do que cuidá-lo. 
Talvez esse fio branco tenha começado a surgir quando cuidei dos fios brancos de meu pai. No desembaraçar seus cabelos ainda com o sangue que é vida-morte. Foram dias sem tomar meu remédio e nem notar, dormir com ar condicionado e não me fazer mal, não comer direito, não dormir e não dar a mínima importância pra isso tudo que banalmente me incomodava. 
Foram três andares descendo de escada para um porão de hospital frio para receber a notícia de sua morte. Notícia dada de modo frio como as paredes do hospital. Essa espécie de anestesia, esse corte no pulso. E depois de quase (ínfimos) três meses acho que esse cabelo branco que insiste em renascer quando eu arranco é parte disso tudo. A morte é soco no estômago do banal. Pra quê? Por quê? Tudo toma a dimensão do fim eminente. Eu sempre tive paúra dos que pregam as certezas da vida. Mas a morte... é uma certeza.
Quando uma amor vai embora, acaba-se o futuro combinado, é o fim de uma possibilidade. Mas o ser amado continua recendo o sol, e vez por outra tem-se notícia de seus caminhos. Quando se perde pra morte a história não finda. Ao contrário, ganha a dimensão de ancestralidade como se andássemos com um costeiro grandioso que diz: eu vim daqui! O que finda é o material. Mas se estamos vivos, se somos matéria, não seria então o Fim? Se há alma, se Deus existe , se deus não existe não importa. Qualquer que seja a abordagem uma coisa fica imensa; a matéria não mais existe. 
Talvez esse cabelo branco seja parte dele dizendo: a vida segue envelhecendo a gente, brincando conosco, tingindo de cores inesperadas nossos corpos repletos de ontem, de hoje. 
E mesmo assim, ao lado desse fio branco vem outros ainda castanhos e brilhantes que também são parte do todo. Vem junto com um beijo inesperado, vem junto com o banho de mar (tão recorrente nas espumas do ir e vir!)
A vida então é isso! Pensa-se. Ganhamos um carimbo na tentativa de expurgo da banalidade. Pra quê esperar pra viver? Pensa-se de novo. E de novo, e de novo! e aquela urgência imensa ganha um sentido do querer pro hoje, do carinho do hoje, do cuidado no hoje, do amor no hoje. 
E aquele fio branco vai continuar a nascer , caindo bem no meio da testa. Talvez apenas pra lembrar!