terça-feira, 24 de junho de 2014

No mar de luzes vermelhas minha cidade se afoga.
Calada, caminho pela Paulista em noite fria.
Fumaça branca da boca, corpo descompassado.
Aqui, na rua recapeada, minha pequenez ganha forma.

domingo, 22 de junho de 2014

Uma manhã quase fria de um dia quase bonito nas ruas de Perdizes.
Uma mulher, casaco escuro , roupas sujas como suas suas mãos, seu corpo.
Cabelo branco amarelado do tempo. Esquecimento.
Abaixou-se no meio fio, meio sem jeito( talvez pela dureza da idade ou da vida).
Lavou suas mãos, seu rosto com calma. Lavou sua pele envelhecida na água suja que descia na encosta da calçada. Água cheia de folhas e restos de histórias levadas pela ladeira.
Era delicada a mulher. Pegava apenas a água da superfície como se fosse de um rio. Rio magro metalizado e bruto, alheio a tudo.
Por fim, pegou uma pequena caneca de ferro,mergulhou no filete, cuidadosamente.
Bebeu.
O líquido sujo das ruas paulistanas matava sua sede matinal.
Maria? Tereza?
O sol saía das nuvens vez em quando.
Maria ou Tereza lavou sua noite nos restos misturados da rua. Bebeu do que ninguém quer.
Talvez fosse pura a ponto de não se misturar! A Maria.
Doeu a retina. Não pelo sol mas por Maria.

Do desejo que a água seja pura pra quem dela procura.
No peito abriu-se um buraco. Do outro lado do peito que se abriu um buraco podia-se ver tudo o que antes era impossível. A luz era tão grande do outro lado do peito que se abriu um buraco, era um clarão tão grande que quase cegou os olhos de Ela. Ela nunca tinha visto uma luz tão forte. Tudo era claro. Era o Óbvio. O Óbvio só poderia ser visto tão claramente ali, do outro lado do peito que se abriu um buraco. Do lado de cá não dava pra ver, a falta de profundidade não permitia. O Óbvio era óbvio: podia-se vê-lo, entendê-lo e senti-lo de uma vez só. Absorvido de uma vez só,como substância. Era grande o Óbvio. Ela que era acostumada com o lado de cá demorou a acostumar-se com a nova visão. Mas manteve-se firme. Ficou parada observando um ser nunca antes visto. Ficou pasmada e intranquila. O Óbvio aos poucos caminhou em sua direção, em passos certos... e óbvios. Invadiu Ela. Ela mergulhou num profundo abismo desconhecido. E Ela teve dúvidas do que via. o Óbvio trazia dúvidas!

De escritos antigos e óbvios
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quarta-feira, 11 de junho de 2014

Talvez tenha sido "o sal intenso que invade o concreto e corrói o ferro da estrutura do edifício".
Talvez tenha sido o silêncio que a perda instaura.
Talvez tenha sido a motocicleta correndo a beira mar.
Ou ainda a partida inexplicável para o desconhecido.
Um choro preso o tempo inteiro invadiu meus olhos ao assistir "A Praia do Futuro". 
Agora sem o "talvez" eu entendo os motivos.(particulares, eu sei.)
Esse inexplicável vazio que nos coloca em outras terras, metafóricas ou não. 
Essa imprevisível troca da liberdade infinita das águas salgadas pelo tanque seguro que às vezes é necessário mesmo sem elaboração prévia. Ou o encontro com a praia sem mar, embora o sol esteja lá, fechando nossos olhos, aquecendo nosso rosto.
Eu me senti ali nas pedras noturnas levando esguicho de mar,correndo um risco nem tão perigoso assim!(porque às vezes o risco não precisa e nem deve ser tão grande mesmo). Assim como senti a neblina fria da estrada, o frio cortando o desejo de seguir, seja como for.
Triste pensar na possibilidade de alguém ter saído do cinema por conta das cenas de sexo! O roteiro trata de pessoas que tentam se encontrar no meio do afogamento que a vida, num rompante nos proporciona. E me pegou ali, sentada na poltrona do cinema como se estivesse olhando o mar. (coisa que permeou grande parte de minha vida)
Talvez tenha sido isso: o mar! O mar e Berlin. E a motocicleta.
Sei que o filme e o roteiro não agradou a muitos mas andou de mãos dadas comigo e com essa vulnerabilidade esquisita e difícil de traduzir em palavras que nos acossa, determinante. 
Talvez seja a vontade que esse desconhecido me pegue pela mão mesmo e me conduza a lugares antes não pensados.

Voava com uma só asa; é que sofria de cacos! Desde pequena era assim. Acostumara-se ao coração feito de margens e aos pés em desalinho. Via formigas e pensava em mundos distantes. Olhava de perto aqueles corpos pequenos, irritantes, curiosos e pisava em cima deles. (tinha medo de amontoados!) Via o céu e sonhava. Era mais difícil pois lá em cima tudo era possível. Era difícil pensar no possível!Por isso mesmo passava horas do dia se enredando nas nuvens, cavalgando em algodões, pulando pó de estrela! Os cometas eram seus preferidos! Nunca compreendeu funcionamento de penas, as dos pássaros e as suas: como um pedaço de quase nada podia te levar pro alto? Como um pedaço de quase nada te tirava do chão? Não compreendia muitas coisas. Como por exemplo: os gritos da vizinha com seu cachorro Banzé; como a água que é uma coisa transparente e que não dá pra pegar quebrava as telhas de sua casa; porque os mais velhos diziam “Vá com Deus!” Talvez fosse seu coração feito de margens que deixava que o entendimento caísse nos vãos. Gostava de flor! Dos infinitos cheiros coloridos. Esses eram de fácil entendimento: - Flor tem perfume, oras! Até as que não se deixam sentir tem! Para essas só era preciso uma atenção especial de joaninha. Aprendera que para voar uma espécie de agudo se formava entre o esforço e o vão do coração. Aprendera que o agudo apitava! E que quando o agudo apitava um tremor irreversível sacudia os cacos e acordava a asa. Voava com uma só asa. Doía. Ela não sabia que doía porque nunca tinha sido de outro jeito. Só sabia que sempre fora assim.
Como um caramujo em busca do desconhecido o dia amanheceu. 
Lento.
Brisa gelada e cinza cortando a matéria mole. 
E o tempo é o mesmo. (Tempo é formiga ligeira em cima do compasso pesado do bicho)
O tempo vai...o corpo fica!
Acho que a saudade é um barquinho que não volta! Um barquinho que saiu no mar azul num dia ensolarado ... E a areia continua lá, esperando, dia após dia. Recebendo as lambidas das águas, das correntes quentes, das correntes frias. E nas tardes em que o sol tinge tudo de laranja e rosa e amarelo, a areia deseja que o barquinho regresse servindo de quadro pra aquarela tão bonita, desenhando o amor em pinceladas profundas! Tem noites que as estrelas iluminam os olhos marejados.Tem noites que a brisa salgada traz alento. Tem noites que a areia se sente só, pequena , mesmo no meio de tantos iguais a ela. Acho que a saudade é uma esperança doída do apontar do barquinho no horizonte. Do barquinho que não volta. E a areia deixa a criança espalhar seus pedacinhos pra que ela vire castelinho cintilante. E deixa-se virar um buraco fundo que verte água incessante.E deixa-se cobrir novamente. Acho que a saudade é ressaca do dia seguinte da chuva forte. E a areia se mistura com a espumeira branca e brava. E é jogada de um lado pro outro até cair na praia vizinha. E a areia experimenta os novos pés a andarem entre ela. E que acabam levando seus restos pra longe. Acho que a saudade é o amanhecer gelado no topo da vela do barquinho. Do barquinho que não volta. E a areia se endurece de frio e quase vira pedra. E quase machuca o tatuí. E quase se esfarela. E quase dói. Acho que a saudade é a rede puxada na maré cheia. E a areia vira porto pro peixe fisgado e agonizante. E se confunde com o cheiro de pirão.
...
Acho que a saudade é um barquinho que não volta! Embora a areia continue ali servindo de chão para o Forte atento e de farol aceso a iluminar o mar escuro.
...
Acho que a saudade é barco que foi, é areia que fica. Eternos. No ir e vir das marés.
...
Quatro meses de luas!